segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Do blog do André de Leones

Notas sobre ‘O Dia Mastroianni’
Outubro 19th, 2007

Bem-vindos ao espaço: O Dia Mastroianni, romance de João Paulo Cuenca, lido nesta tarde quente de outubro, é excelente. O livro nos apresenta algo no mínimo inusitado: um narrador onisciente em primeira pessoa. O livro todo, aliás, é de uma estranheza sem igual: o clima, as peripécias dos personagens, o jogo metalinguístico que permeia a narrativa (observe como os personagens são descritos) e a ironia com que é encarado o próprio ato de escrever.

O Dia Mastroianni é um romance que brinda aos que foram e aos que voltaram, protagonizado dois sujeitos (Pedro Cassavas e Tomás Anselmo) que, em vez de trabalhar, preferem ser trabalhados e passam o dia (a vida?) flanando por aí, entre bebedeiras e mulheres (e mordomos seviciadores).

Interessante como a narrativa se apropria de toda sorte de lugares-comuns, muitos dos quais ligados ao ofício de escrever, para chegar ao que entendo como o inescapável cerne da questão: “Quando terminarmos de ler e contar a história desse personagem, também desapareceremos”.

O livro ainda está latejando na minha cabeça. Há achados como as já citadas descrições dos personagens (são, em todos os sentidos, inclusive graficamente, personagens de um livro, afinal), o ritmo tresloucado da coisa (dificílimo de se atingir sem soar raso ou apressado), o humor alienígena, as referências (”No nosso caminho, um aborígene berra as últimas notícias, a vender uma pilha de jornais na calçada. Ainda fosse uma americana sardenta e o Herald Tribune…”) e as ironias (”Sou de outros tempos: quando era algo maravilhoso ter escrito um livro”, diz o plausibilíssimo - a despeito do nome - escritor Esgar Mxyzptlk).

O estranhamento suscitado pela leitura não me pareceu gratuito. A estrutura do romance é muito bem resolvida, a meu ver. Ao final da leitura, gostei de me sentir como “o resto de qualquer coisa que desconheço”.

(Minha adolescência e parte da minha juventude, num certo sentido, foram repletas de dias Mastroianni. Muitos daqueles que estiveram lá não sobreviveram. E meu Dia Morto é uma espécie negríssima de dia Mastroianni, talvez. Não sei. Preciso pensar a respeito. Até porque Jean e Fabiana desaparecem antes que se termine de ler e contar sua história. São duas sombras.)

Cassavas e Anselmo e os outros ainda pulsam, estão vivos aqui, comigo. Que mais se pode querer de um livro?

“Quem quer saber de livros, afinal?”, pergunta o narrador. Eu quero. Mas isso não significa que eu também não vá desaparecer.

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