segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Romance da não-geração

Enfim, o romance da não-geração
Bolívar Torres Corrêa

Muito se fala, ultimamente, sobre o romance de geração. Parece que chegou a vez de os escritores da pós-ditadura refletirem sobre seus próprios anseios. Eles fazem parte de uma geração que, a julgar por O dia Mastroianni, o mais recente romance de João Paulo Cuenca, se rendeu "ao peso da História". Sem ter ao que se agarrar, vive o fim das ideologias, com a impressão de que tudo já foi tentado e nada deu certo.

"Como se pode viver assim, sem poder distinguir o verdadeiro e o falso?", pergunta-se um dos personagens. Para Cuenca, portanto, não interessa mais traduzir os anseios de seus contemporâneos, e sim divertir-se com a falta de perspectiva daqueles que não deram, "nem darão nada real para o mundo".

O livro acompanha um dia na vida de Pedro Cassavas e Tomás Anselmo, dois jovens dândis, que erram por uma cidade imaginária, como uma citação de Marcello Mastroianni no clássico A doce vida, de Federico Fellini. Durante a jornada, observam sem compromisso o mundo a sua volta, cercados de bebida, mulheres e alguns personagens excêntricos, um escritor veterano e uma atriz decadente. Todos vivem na "urgência do agora", o hedonismo levado ao último grau. Nada de sacrifícios ou privações: a vida é uma acumulação de desejos consumados. O único propósito filosófico é o gozo.

Os dândis de Cuenca não atravessam a cidade como aventureiros enfrentando obstáculos morais, mas como flâneurs. Imortalizada por Baudelaire, a expressão significa deslocar-se sem rumo ou objetivo, cruzar diversos lugares sem realmente estar em nenhum, ficar livre e aberto a tudo, sem comprometimento com nada. A dupla Cassavas/Anselmo apenas flerta com as emoções, passando rapidamente pela dor, pela dúvida ou pelo prazer. Na falta de um projeto de vida, os personagens se recusam, por alguma razão (medo? preguiça? cinismo? desencanto?), a mergulhar de cabeça em qualquer idéia ou sentimento profundos, integrando-se ao mundo sem de fato envolver-se com ele.

Toda melancolia do livro está nessa marivaudage irresponsável, em que as afetações galantes e os jeux d' esprits escondem um sentimento amargo-doce, uma indescritível sensação de tempo perdido... Pois, no espaço maleável e abstrato imaginado por Cuenca, as horas passam com agrado, mas sem propósito, e as infinitas oportunidades só podem ser experimentadas com desprendimento. As relações são superficiais, os corpos se juntam numa atração fácil e vazia. O prazer é fugidio - mas não é este todo o charme e limitação de um flerte?

"Não faço nada, ou nada do que quero fazer vai para frente", admite o narrador. E como não pensar em nossos escritores sem livros, cineastas sem filmes, produtores sem produto? Como não pensar na geração da pose, do marketing, da filosofia de butique? Como não pensar nessa recusa em crescer e assumir compromissos?

Qualquer semelhança com a juventude contemporânea é mera coincidência. Os personagens de Cuenca, no entanto, parecem conscientes de sua condição. De vez em quando, são assaltados por "ligeiras crises metafísicas". Eles reconhecem com cinismo sua frivolidade, mas nunca se preocupam em superá-la. Sabem que estão no meio de uma realidade absurda (o pesadelo cômico! O pesadelo cômico!), mas também sabem que não há nada a fazer senão jogar o papo para o ar e gozar. O autor insiste em fazer passar por eles alguns meninos de rua, mas os heróis nem se coçam.

Já que Cuenca se assume, ele próprio, como um escritor de sua geração, não há dúvida de que O dia Mastroianni é, também, um romance sobre literatura, mais precisamente sobre as dificuldades de escrever num tempo em que todas as boas histórias já parecem ter sido contadas, de todas as maneiras possíveis. O início rabelaisiano, em que os heróis se lançam em digressões etílicas, vomitando frases de efeito e pensamentos banais, mostra que o autor está disposto a enfrentar os clichês, ao mesmo tempo em que se cerca deles.

Se, por exemplo, cita Rimbaud meio sem propósito ("A velha ciência, esta nova nobreza!", chupada de Uma estação no inferno), é justamente para ressaltar a árdua tarefa de criar num universo de citações refogadas e influências pirateadas - uma literatura que já explodiu em pedacinhos há muito tempo, e cujos restos mortais vêm sendo apanhados, ao acaso, pelas novíssimas gerações.

Enquanto seus colegas se contentam em decalcar Bukowski e Rubem Fonseca, enquanto as clarissinhas cultuam sua musa esprivitada, como se não houvesse nada além no horizonte literário, Cuenca, por sua vez, brinca com a herança que nos assombra e limita. Ele pode não escapar aos clichês, mas ao menos se debate entre eles. E se diverte. E questiona, não como um moralista - no sentido de apontar a decadência moral de determinada sociedade - mas como uma testemunha jocosa. Estamos todos no mesmo barco, cobertos pela mesma bruma, sofremos da mesma miopia, e não há, de fato, como tirar respostas definitivas.

JB - Idéias - 10/11/2007

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